Artigo Nº 349 – SENHORIO SEM PROPRIEDADE

O contrato de locação gera uma relação jurídica entre locador e locatário, razão pela qual, em princípio, é dispensável a prova da propriedade do imóvel locado.

Com esta frase, pinçada da ementa de recurso especial (953.150-SP), o Superior Tribunal de Justiça reafirma, por unanimidade, o princípio de que, nas relações locatícias, o que vale é o pacto efetivamente realizado entre as partes – inquilino e senhorio – e não, necessariamente, com quem detenha a propriedade sobre o bem. A prevalência do direito pessoal dispensa até mesmo a elaboração de instrumento escrito, nas relações locatícias, valendo o que for acordado verbalmente, sob o manto da lei.

No acórdão mencionado, o ministro-relator, Arnaldo Esteves Lima, narra que o contrato de locação existente entre as partes fora rescindido por força de sentença proferida em ação de despejo por falta de pagamento, seguida de execução de título extrajudicial contra os fiadores objetivando o recebimento dos créditos locatícios. Nos embargos apresentados, os recorrentes aduziram “a ilegitimidade ativa ad causam do recorrido, uma vez que não teria ele comprovado ser proprietário do imóvel locado”, e outras alegações, para tentar desconstituir o débito.

A argumentação não foi convincente porque, no dizer no relator, “o contrato de locação gera uma relação jurídica entre locador e locatário, razão pela qual, em princípio, é dispensável a prova da propriedade do imóvel”, sendo que “nos termos do art. 60 da Lei 8.245/91, a comprovação da propriedade somente é exigida nas ações de despejo quando fundadas no pedido de retomada do imóvel” para a realização de reparações urgentes determinadas pelo Poder Público.

No caso, o recorrido demonstrou sua condição de locador através de cópia do contrato de locação firmado com os recorrentes, na condição de fiadores.
A propósito da importância (não da necessidade) da existência de contrato escrito, em voto-vista, o ministro Napoleão Nunes Maia Filho, integrante da Quinta Turma do STJ que julgou o recurso, destaca que “o contrato de locação [escrito], quando prorrogado, constitui título executivo extrajudicial”, estando em “sintonia com a solução que tem sido dada pelo Tribunais do País a questões dessa espécie”. Constata, ainda, que “a demonstração do quantum debeatur [valor devido pelos fiadores], a cargo do exequente do título, somente pode ser elidida com a apresentação de elementos convincentes, não bastando simples alegações de verificação do acerto (ou desacerto) desse cálculo”.

A decisão do STJ tem repercussão prática na vida cotidiana de milhares de locadores de imóveis no Brasil, tendo em vista que alugam imóveis próprios sem figurarem na qualidade de proprietários junto ao registro imobiliário, forma de prova de domínio aceita pelo ordenamento jurídico do país.

Não são apenas milhares, mas dezenas de milhares de relações locatícias que apresentam essas características, sem que de tal situação advenha maiores dificuldades para os verdadeiros donos dos imóveis. As exigências (às vezes descabidas) para a transferência de financiamentos imobiliários e o custo de transmissão da propriedade, além de outros fatores culturais, deram origem a um manancial de contratos de gaveta, cuja existência não é bem-vinda em princípio, mas que faz parte da realidade sentida e compreendida pelo Superior Tribunal de Justiça.

Estamos ainda longe do ideal – contratos escritos, escrituras registradas, relações estáveis.

Luiz Fernando de Queiroz é autor do TPD-Direito Imobiliário e do Guia do Condomínio IOB, fone (41) 3224-2709, e-mail lfqueiroz@grupojuridico.com.br.