Artigo Nº 17 – TERRENO DE MARINHA II

A coluna da última semana, em que comentamos sobre proposta do deputado gaúcho Eliseu Padilha de atualizar a legislação sobre os terrenos de marinha, descartando a referência ao ano de 1831, repercutiu de forma acima da esperada.

Escolhemos o tema com certo receio, achando que só interessaria a poucas pessoas, mas nos enganamos. Ao que parece, são efetivamente milhares os proprietários de terrenos de marinha que gostariam de ver solucionado o problema definitivamente.

Do engenheiro Lázaro Peixoto Bayer, de Curitiba, recebemos valiosos subsídios sobre o assunto, com permissão de utilizar o que julgássemos de maior interesse do leitor. Como o material é extenso e o espaço pequeno, transcreveremos os principais tópicos.

** O Conselho Federal dos Corretores de Imóveis (Cofeci) selecionou o tema “terrenos de marinha” como o principal, ao acatar sugestões para a revisão constitucional, por ser de suma importância para o mercado imobiliário, especialmente adquirentes de imóveis.
** O problema central está na cobrança de foros e laudêmios pelo Serviço de Patrimônio da União (SPU) sobre terrenos que hoje não poderiam ser considerados terrenos de marinha, por estarem localizados a dezenas, centenas e até milhares de metros da orla marítima. Isto onera sobremaneira os negócios imobiliários, inibindo uma série de investimentos.
** O instituto da enfiteuse ou aforamento consiste em um aluguel perpétuo correspondente ao domínio útil do terreno, que continua pertencendo desde épocas imemoriais ao Estado, a uma ordem religiosa ou à ex-família real. Acompanha a figura do aforamento o laudêmio, representando o pagamento obrigatório ao proprietário do domínio direto, toda vez que se processa a transferência de terreno foreiro de uma pessoa para outra.

Evolução

** Os terrenos de marinha foram regulamentados através da lei de 15 de novembro de 1831, modificada pela ordenança de 20 de agosto de 1835, por sua vez encampada pelo decreto-lei 8.760, de 5 de setembro de 1946, ainda em vigor, sem atentar para as modificações sofridas pelo litoral em mais de 160 anos.
** Segundo a proposta do Cofeci, não se pode admitir que uma lei criada há mais de 160 anos, e que refletia a geografia daquela época, possa servir de base para estabelecer uma linha de preamar aplicável aos dias de hoje.
** A natureza não é estática. Modificações cíclicas de temperatura, de movimentação das águas e das terras provocam o surgimento de novas áreas e o desaparecimento de outras. Basta pegarmos um mapa elaborado há 160 anos para verificarmos as diversas mutações ocorridas em decorrência de fenômenos naturais. Além disso, obras de engenharia executadas ao longo da costa atlântica, nos rios, canais, represas e aterros, também alteraram o perfil das terras.
** Para preservar a intenção legislativa originária (proteger a costa marítima, colocando-a a serviço da Nação), é necessário que se obedeça ao limite fático atual, que destoa, em muito, da situação geográfica de 1831. Logo, torna-se imperativo a atualização da linha do preamar para que se obedeça ao fim para qual a lei, criada no Brasil Império, possa conviver com o Brasil do próximo milênio.

Benfeitorias

** A União, como legítima proprietária dos terrenos de marinha, argumenta o engenheiro Lázaro Peixoto Bayer, não pode e não deve se locupletar de um valor existente em função das benfeitorias feitas exclusivamente pelo ocupante, tais como aterros, muros de arrimo e vedação, vias de acesso, jardins, gramados, pavimentação etc, necessárias a sua utilização, sem deixar de considerar, em muitos casos, as obras de infra-estrutura executadas pelo poder público.
** O Cofeci concorda, reiterando que a incidência do laudêmio sobre as benfeitorias introduzidas pelo enfiteuta constitui, sem dúvida alguma, enriquecimento ilícito, pois assentadas sobre direitos de terceiros.
** O artigo 3º do Decreto-lei 2.398/87 estabelece que dependerá do prévio recolhimento do laudêmio, uma quantia correspondente a 5% (cinco por cento) do valor atualizado do domínio pleno e das benfeitorias, a transferência onerosa, entre vivos, do domínio útil de terreno da União ou de direito sobre as benfeitorias nele construídas, bem assim, a cessão de direitos a eles relativos.

PS. O título da coluna passada (Terrenos da Marinha na onda) é a prova de que, na voz do povo, tais imóveis pertencem à Marinha e não à União. O correto seria “Terrenos de marinha na onda”, pelas razões lá expostas. Quem leu a matéria viu que o erro foi involuntário, de revisão.

Luiz Fernando de Queiroz é autor do TPD-Direito Imobiliário e do Guia do Condomínio IOB, fone (041)224-2709 e fax (041)224-1156.